terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

The day the world stopped without whatsapp




O DIA EM QUE O MUNDO PAROU 
As operadoras cortaram o acesso ao app seguindo uma determinação em primeira instância da 1ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo, em São Paulo, que visa punir o Facebook, dono do WhatsApp, pelo não cumprimento de pedidos feitos pelo Ministério Público de São Paulo.
O processo corre em segredo de justiça, mas o site especializado Consultor Jurídico, um dos mais respeitados do Brasil na área, averiguou que a origem do problema é um processo que investiga um homem que foi preso pela Polícia Civil de São Paulo em 2013, acusado de latrocínio, tráfico de drogas e associação ao Primeiro Comando da Capital (PCC). 
A Justiça teria pedido informações sobre o homem ao Facebook, que não acatou o pedido (não vem ao caso, mas o criminoso está solto porque a judiciário falhou em julgá-lo a tempo). Não é uma atitude isolada. De acordo com o Conjur apurou junto a fontes da Polícia Civil de São Paulo, o Facebook sistematicamente nega esse tipo de pedidos, alegando que os dados estão hospedados no exterior, fora da jurisdição brasileira.
A primeira determinação judicial nesse caso data de 23 de julho de 2015. Em 7 de agosto de 2015, o WhatsApp foi novamente notificado, sendo fixada multa em caso de não cumprimento. 
Polêmicas judiciais à parte, a decisão pegou a população por surpresa no final da tarde de quarta e, em meio à falta de informações sobre a medida, os primeiros comentários apontavam com quase unanimidade as operadoras de telefonia brasileiras como os agentes por trás da ação.
O WhatsApp já vinha ganhando a receita dos pacotes de SMS das operadoras, oferecendo comunicação ilimitada. Com o lançamento de um serviço de chamadas dentro do app, a irritação das telcos brasileiras aumentou, com presidente da Telefônica Brasil, Amos Genish, chegando ao ponto de chamar o aplicativo de “pirata”.
Todas as operadoras, com exceção da Oi, acataram a medida sem maiores contestações. A Oi, a quarta colocada em entre as quatro grandes em participação de mercado, com 17%, entrou com um habeas corpus contra a medida, que chamou de “desproporcional e ilegal”. 
A ordem é desproporcional, segundo a Oi, porque a juíza optou pela medida mais grave possível, atingindo toda a base de clientes das operadoras, quando há outros meios de fazer cumprir uma ordem judicial. Na argumentação da Oi, o Marco Civil da Internet não permite que o provedor de serviços de telecom se responsabilize por atos de terceiros.
O posicionamento das operadoras mudou. Em fevereiro, quando um juiz do Piauí determinou outro bloqueio do WhatsApp no Brasil, as empresas recorreram da decisão, que acabou derrubada pelo Tribunal de Justiça do estado.
“O bloqueio tem uma amplitude muito grande. Há prejuízos para empresas e pessoas que não têm nada a ver com a investigação policial”, afirmou na ocasião o desembargador Raimundo Nonato da Costa Alencar na sua decisão
A briga entre multinacionais do setor de tecnologia e Brasil pelo acesso a dados não é restrito entre o judiciário e o Facebook. O primeiro round foi aberto em 2013, após o vazamento de denúncias de espionagem contra a presidente Dilma Rousseff por parte da NSA.
O fato desencadeou uma torrente de retórica aquecida e promessas de medidas, incluindo a criação de um e-mail nacional e a introdução da obrigatoriedade de armazenagem local de dados brasileiros. 
Essas medidas não deram em nada, mas Brasília parece ter se contentado com resolver o problema com uma série de decretos e normativas publicadas desde 2013 prevendo, por exemplo, que dados do governo federal sejam armazenados em data centers no país e circulem por redes de telecomunicações e serviços de tecnologia controlados por empresas estatais.
O front diplomático foi apaziguado com visitas de Dilma aos Estados Unidos, incluindo empresas no Vale do Silício, reciprocado pelo lado americano com a vinda do vice presidente Joe Biden (aquela que magoou o coração do vice Michel Temer). 
Novas revelações de espionagem foram recebidas de maneira morna pelo Itamaraty, o que indica que o governo não quer mais comprar essa briga (no momento atual, outros assuntos mais urgentes vem à mente com facilidade).
Agora é ver como a situação evoluirá no judiciário. Em tese, qualquer juiz em qualquer parte do Brasil pode decretar o bloqueio do aplicativo, independente de decisões posteriores no sentido contrário pelos Tribunais de Justiça de outros estados ou do seu próprio.
Eventuais recursos podem levar a discussão a instâncias superiores da justiça, até o Supremo Tribunal Federal, que poderia estabelecer uma súmula com jurisprudência no sentido de impedir o bloqueio de aplicativos como medida retaliatória.
O clamor popular pode acelerar esse processo. Na verdade, o público já está se movimentando. Segundo divulgou o Telegram em sua conta oficial do Twitter, mais de 1,5 milhão de downloads foram feitos por brasileiros nas últimas quinze horas.
Além disso, diversos usuários estão se arriscando em sites de VPN "grátis" para driblar o bloqueio e manter usando o Whatsapp, mesmo arriscando a segurança de seus aparelhos, já que estes serviços nem sempre são dos mais confiáveis.
As operadoras, que no passado lutaram contra esse tipo de medidas, podem aproveitar a situação para relaxar, colocar os pés sobre a mesa e deixar o circo pegar fogo.
Em agosto, vazou a informação que as operadoras trabalhavam em um documento com embasamentos econômicos e jurídicos contra o funcionamento do WhatsApp, a ser entregue em dois meses. Uma operadoras estaria considerando uma ação judicial, revelou a Reuters.
A ideia seria questionar o fato de a oferta do serviço se dar por meio do número de telefone móvel do usuário, e não através de um login específico como é o caso de outros softwares de conversas por voz, como o Skype, da Microsoft. A diferença faria do WhatsApp um serviço de telecomunicação pirata.
De acordo com a consultoria especializada Teleco, as operadoras pagam R$ 26 para a ativação de cada linha móvel e R$ 13 anuais de taxa de funcionamento, enquanto o WhatsApp não paga nada.
O lado tributário é só um aspecto do argumento. Até pouco tempo atrás, operadoras como Claro e TIM competiam oferecendo WhatsApp “de graça” para seus assinantes.
Ao que parece, o aplicativo deixou de ser visto como um diferencial inofensivo, na linha do Facebook, para ser encarado como um verdadeiro competidor.
Mais de 10 milhões de linhas de celular deixaram de existir no Brasil em cinco meses de 2015, uma queda de 3% na base, de acordo com números da Anatel. 
Parte do efeito é da crise, mas parte é da tendência dos consumidores de desistirem de ter vários chips e concentrar a comunicação em aplicativos, o que pode ser notado em qualquer placa de prestador de serviços na rua.
Esperar que as forças de mercado atuem e que os inimigos tenham que se entender não se aplica nesse caso. Uma das principais regras do Marco Civil da Internet é o princípio de neutralidade de rede, o que impossibilita uma negociação das teles com o aplicativo visando tornar o uso do mesmo rentável para as duas partes. As operadoras podem esperar e pressionar por uma regulação via Anatel.
Agora é aguardar qual será a reação do Facebook. Em post publicada na rede social, Mark Zuckerberg disse que a empresa está “trabalhando duro para reverter a decisão” e apresentou o problema com o judiciário brasileiro nos termos mais favoráveis a ele próprio.
“Estou chocado que nossos esforços em proteger dados pessoais poderiam resultar na punição de todos os usuários brasileiros do WhatsApp pela decisão extrema de um único juiz”, afirmou Zuckerberg.
A discussão promete ir longe. Além do comprometimento com a privacidade dos usuários (leia essa frase com o cinismo necessário), a decisão de não fornecer dados para as justiça de cada um das centenas de países nas quais está presente também tem a ver com o modelo de negócio de companhias como o WhatsApp, que atingem o mundo inteiro e alcançam valores bilionários baseadas em não gerar custos marginais enquanto aumentam de tamanho (o aplicativo é famoso por ter só 55 funcionários).

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